Comeback é eficiente em criar essa atmosfera de western derradeiro, romântico, de homens velhos já sem muito espaço no mundo, à beira do fim. Está mais próximo de um noir de Melville, melancólico e soturno, com estes planos laterais silhuetados, de homens que vivem à parte do real, regido pelos códigos do cinema. A firmeza da câmera e a decupagem justa permitem adentrar esse universo sem maiores desvios, mergulhar no drama dos personagens, ainda que estes não sejam apresentados para além de suas ações imediatas. Em um filme com uma presença tão forte da memória, ela só chega a nós pelos objetos (as fotografias do álbum e a fita da reportagem), nunca pela intrusão de um flashback. O tempo é sempre um presente lento, que escorre até o anunciado fim elegíaco. Elegia do personagem que dobra na elegia de Nelson Xavier como o pistoleiro Amador, afundado num papel que se desvia de ser uma homenagem a sua carreira, trabalhando com sutileza essa duplicidade inescapável entre personagem e ator. Todo o elenco restante circundam Xavier desta aura de protagonista tardio, uma vez que não têm a estatura histórica que ele já teve, e passam essa realidade de um outrora grande profissional relegado ao cotidiano terroso de uma periferia goiana. A presença dos muitos figurantes com cara de gente de verdade (os homens jogando sinuca, jogando bola, os meninos de bicicleta que passam sem camisa, os idosos do baile) povoando um filme em que toda a ação é muito calculada, tudo em seu devido lugar. Ficção meticulosa, das mais bem construídas.
Em questões narrativas porém o filme se preocupa em aparar todas as pontas, dar fim a todos os personagens, concluir tudo que é trama; num rigor que destoa da atmosfera rarefeita, de espera, que o longa tão bem constrói. Resultando em um terceiro ato apressado, em que as mortes não chegam com a gravidade pretendida (principalmente a de Davi, sem visita nem enterro e apenas uma breve menção lá mais adiante), e as soluções para as cenas parecem pensadas no ato. O pupilo de Amador não dirige para ele no momento da chacina, mesmo após um breve plano em que este o ensina a dirigir agressivamente; mas na cena final é ele quem assume o volante para morrer por engano. Ou ainda a conversa entre os vilões sobre melhorar a periferia, martelando esta ideia de uma periferia inominada à mercê do dinheiro dos poderosos, trazendo uma questão social para o longa já em seus instantes finais. É quando o filme olha para fora, para a realidade brasileira, que enfraquece sua virtualidade arquetípica do filme de matador, sem polícia, sem mulheres, em que todas as cenas giram em torno do trabalho. Um terceiro ato em que a música sobe muitas vezes, costurando as cenas e propondo as emoções de maneira mais grosseira. O próprio clímax final abandonando a decupagem justa para esconder informações, pesar o olhar do narrador no demorado plano do álbum sobre os cacos de vidro, num filme que até então não sublinhara metáforas ou simbolismos.
Pormenores narrativos à parte, Comeback tem coração pra diabo, apaixonado pela melancolia idosa, pela figura de Nelson Xavier, pela masculinidade violenta, pelo barulho dos tiros. É um verso triste de funeral para o cinema que formou este imaginário, agora não se pode mais matar assim de qualquer jeito.