DIAS VAZIOS (2018)

Direção: Robney Bruno Almeida
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Dias Vazios é um filme atraente, de adolescentes niilistas e suicidas que transam, usam drogas e ouvem rock. Imersos no catolicismo arraigado da pequena Silvânia, a questionar a existência de Deus, livre arbítrio, a Bíblia, essas coisas bem filosóficas. Numa melancolia enxertada à força, com filtro cinza, personagens sempre reclamando de tudo, música triste, fatalismo adolescente, a vontade de ir embora. Ao mesmo tempo que é grosseiramente uma narrativa metalinguística, metade o livro que adapta e metade a biografia de superação do autor, que conseguiu sair da cidade e viajar o país. Grosseiramente porque este aspecto da biografia só grita mesmo nos pavorosos letreiros finais, que explicam tudinho e fecham o laço entre Daniel e o autor. Não fossem os letreiros, ficariam apenas na forma dupla do filme, das cenas que se repetem entre personagens do livro e personagens do filme, com pequenas variações que a direção pontua ao revestir a história dentro da história de certa imaginação juvenil exagerada. A arma com que Fabiana mata seus filhos é enorme e cromada, enquanto que a arma que Daniel usa para matar o cachorro é mais real, pequena e preta. É um projeto cuidadoso com esta dupla criação da cidade, a Silvânia piorada da mente dos personagens e a Silvânia menos pior que os personagens habitam.


É monocórdico em sua depressividade e martela incansavelmente seus temas aos longo de 105 minutos, tal qual os adolescentes que retratam. Sendo um tanto constrangedor, mas isso é algo natural da fase. Filme e forma alinhados. Todos os atores estão bem, por mais difíceis que sejam estas falas que dão conta de angústias tão profundas. E Robney filma com malícia provocadora as atitudes dos personagens que desafiam a moral cristã, repetindo um plano zenital dentro da casa deles, que garantem que Deus está de olho em tudo. O filme tem esse bem vindo ar rebelde de quem pensa estar afrontando sensibilidades, tensionando limites, principalmente no lidar com a nudez destes adolescentes, mas também em atos mais simples, como a freira ou a grávida que fumam. Microtransgressões juvenis.


Dias Vazios chega em 2018 como uma das primeiras (após um longo hiato) e mais caras ficções já feitas no estado, e à época de seu lançamento essa recusa completa do filme à cultura popular goiana bateu estranha. Questões de representatividade, as mais tolas. Dias Vazios é certeiro em retratar essa parte da classe média goiana que despreza a cultura símbolo do estado, capitaneada pela música sertaneja e que abrange os demais elementos de um estereótipo caipira, rural. Há no filme essa cena do pitdog, em que jovens (nomeados agroboys nos créditos) chegam de camionete e chapéu ouvindo música sertaneja, convidando os personagens para uma festa, sendo recebidos com desdém óbvio. Esses adolescentes escutam rock em inglês, gostam de revistas do Superman, sonham com a praia e o Rio de Janeiro, o longe daqui. E o filme em nenhum momento enxerga criticamente essa postura Rock Wins, já hoje tão estereotipada e debochada. Como se não fosse possível uma sinergia entre as duas culturas, que se apresentam dicotômicas. Sair da adolescência é redescobrir Goiás.


Há ainda esse breve contraplano ao final de uma outra Silvânia, pobre e negra, da casa onde Fabiana vai parar, que é escura, sem reboco, sórdida. Um contraplano que revela a visão ensimesmada desses personagens, incapazes de perceber uma vida possível que não a deles e a almejada por eles. Essa sensação de não-pertencimento nunca confrontada por algum personagem ou elemento que dê um contraponto, que enfim faça o filme se distanciar um pouco da mente depressiva do núcleo central.


Dias Vazios chama Silvânia de província e a região de Meio-Oeste em seus letreiros iniciais, como se ainda uma capitania atrasada, de nomenclatura antiga. Odiar uma cidade e toda a vida nela. Um dos filmes mais antigoiás que tem.

Autor: Luciano Evangelista