O AZARENTO: UM HOMEM DE SORTE (1973)

Direção: João Bennio
Descrição da imagem 1


É o filme que viraliza nas redes sociais de tempos em tempos por conter muitas imagens de Goiânia da década de 70. Assistindo-o, percebe-se que a forte presença da cidade não é mero acidente ou cenário, mas sim o elemento central do filme de João Bennio. A comédia de situação trata do protagonista O Azarento, sujeito calado e sem nome, que por onde passa deixa um rastro de tragédias devido a sua sina de ser sem sorte. Sem querer, vai causando toda espécie de ocorrências, desde simples vitrines que se partem devido a sua presença até elaborados acidentes de trânsito. A comédia é de almanaque, do causo, com piadas e gags mil vezes já vistas e revistas. Ainda que ocasionalmente provoque riso, é a repetição de uma nota só.


A trama mínima encadeia suas pequenas esquetes sem desdobramentos maiores, fazendo de O Azarento um filme episódico, de situações. O protagonista apagado reforça os elementos ao seu redor, e nisto reside a grande força do filme de Bennio, como ele consegue trazer uma urbanidade hiper, efervescente, caótica. Vislumbrado com a capital, a brincar com seus elementos, como um Jacques Tati.


Impressiona a participação da cidade no filme, com seus enquadramentos sempre repletos de pessoas, a massiva presença dos carros, viaturas, bombeiros, ônibus. Sua imagem mais famosa hoje, da praça do Bandeirante em um congestionamento lúdico, é mesmo inimaginável de ser orquestrada atualmente. Bennio tem talento para ampliar a multidão no filme com um movimento de câmera que se repete no anúncio de novos espaços, como na prisão ou no hospital, um recuo que torna o quadro expansivo, revelando personagens e objetos. A constante multidão ecoando um cinema primevo, de vislumbre com a metrópole e sua velocidade, esse olhar curioso para as novas possibilidades da cidade: os acidentes de trânsito, os assaltos, a presença da televisão, a celeridade dos jornais.


Bennio abandona os dilemas morais que marcam a história de suas produções anteriores, como O Diabo Mora no Sangue e Simeão, o Boêmio, reduzindo a narrativa a elementos cômicos majoritariamente visuais. Permanece a temática da cidade contra o homem, do indivíduo que causa na cidade (ou comunidade, no caso de O Diabo Mora no Sangue) um rebuliço tamanho que as forças institucionais precisam agir para contê-lo, ainda que O Azarento assim o faça acidentalmente, apenas por existir. 


Ecoa também o tensionamento entre o interior e a capital, um tema ainda hoje caro ao estado de Goiás e que era certamente mais fresco na década de 70, com o acelerar da migração dos demais municípios para Goiânia. O filme trabalha o estereótipo do caipira atrapalhado, como um Mazzaropi (cineasta do qual Bennio foi ator e que marca profundamente o imaginário do goiano), sem atentar para a comédia de costumes. Seu caipira é mesmo um transeunte qualquer na grande cidade, sem chapéu de palha ou botina, que consegue até seduzir a musa carioca que rejeita todos os homens, numa cena de estereotipização contrária, os cariocas todos burgueses à beira da piscina tocando bossa nova com seus violões. Um pequeno contra ataque.


Tem um apelo histórico especial em uma cidade tão carente de imagens (e tem também uma breve cena em Piracanjuba, igualmente celebrada). É um cinema de pioneiro, de quem está pela primeira vez registrando algo novo. 

Autor: Luciano Evangelista