Em Algo do Que Fica, de Benedito Ferreira, uma avó e sua neta estão de mudança da casa onde vivem no centro de Goiânia, ao lado do lote do acidente do Césio 137. Em breve a casa será demolida para a construção de um museu.
O longa, arrebatador de diversos prêmios, se destaca por sua abordagem fora do convencional ao explorar as lacunas deixadas pela política de esquecimento em torno do acidente com o Césio 137. A trama, ao invés de oferecer respostas fáceis, mergulha em um terreno nebuloso, onde o silêncio e a falta de esclarecimentos se tornam latentes.
As cenas, em sua maioria filmadas no local onde a cápsula de Césio 137 foi encontrada nos escombros do antigo Instituto Goiano de Radiologia, revelam um outdoor abandonado que anunciava a construção de um museu desde 2010, um projeto que nunca se concretizou. Esse simbolismo da promessa não cumprida reflete a melancolia e a ironia que permeiam a narrativa.
A construção do filme é marcada por planos longos e diálogos minimalistas, que criam um ambiente ausente, o que também é amplificado pela escolha do protagonista, um idoso silencioso que permanece em estado de abandono, uma referência a toda população afetada pelo Césio, e a cidade em si.
A direção de arte é particularmente notável por sua representação do caos e da desordem emocional dos personagens, com objetos dispostos de forma a evocar a devastação da tragédia quando estamos em ambientes internos. Esse cenário de desolação é tão convincente que, em certos momentos, é difícil discernir se estamos diante de uma recriação dramatúrgica ou de um documentário genuíno.
Algo do que Fica se destaca não apenas como uma representação cinematográfica do trauma, mas como um lembrete contínuo da tragédia do Césio 137, que, tantos anos depois, continua profundamente entranhado na memória coletiva.