O QUE APRENDI COM MEU PAI (2013)

Direção: Getúlio Ribeiro
Descrição da imagem 1


Esse é um filme importante pro cinema goiano por diversos motivos. Junto de Julie, Agosto e Setembro, de Jarleo Barbosa, consolidam o trabalho do recente curso de cinema da UEG ao obterem destaque em diversos festivais estaduais e nacionais. São ainda os primeiros trabalhos de pessoas que teriam uma carreira sólida no audiovisual nos anos seguintes, sendo inclusive fruto de duas produtoras significativas do estado, a Panaceia Filmes e a Dafuq Filmes, ambas gestadas dentro da UEG. Por fim, para além de seus méritos mercadológicos, o maior impacto é certamente a aposta na ficção que ambos os filmes fazem, alinhados ao cinema internacional popular (francês no caso de Julie, estadunidense no curta de Getúlio), distantes da principal produção do estado àquela época, o documentário de cunho ambiental, de temática urgente, acadêmico, em que o cinema ficava em segundo plano. O cânone é sempre construído a partir do trabalho coletivo de diversos outros profissionais de cinema, de muitos outros filmes menos vistos e celebrados (como o cinema de Martins Muniz e Hugo Caiapônia, também ficções robustas, relegados às chamadas bordas do cinema oficial do estado), mas é certo que estes curtas causam um impacto na produção local quando são lançados, e permanecem ainda hoje como faróis, origem de um cinema que começava a ganhar maior visibilidade dentro e fora do estado.


O western contemporâneo de Getúlio traz o universo de Sam Peckinpah para as terras de Goiás. O corpo no banco do carona, uma imagem de Traga-me a Cabeça de Alfredo Garcia, assinalando a referência. Todo mundo sujo de terra vermelha, um homem na estrada que mata por dever, sem maiores dilemas morais. Família, mulher e criança como imagens fantasmagóricas, mórbidas, em oposição a concretude árida da estrada da vida do protagonista. Um Goiás seco e violento, que traz o espírito do western revisionista dos Estados Unidos.


Como é comum no cinema da UEG da época, é nítido o desejo de dialogar com outros cinemas pouco produzidos em Goiás. Porém ele destoa do grosso da produção goiana ao ser essa ficção hermética, que se interessa pelo mundo externo apenas pelo cinema, sem grandes temas ou teses. Não há mesmo o situar da narrativa no estado, o que é um movimento raro no cinema incipiente daqui, que explicita o regionalismo, quer falar assertivamente de Goiás, utilizar seus monumentos, sua música, seus costumes (o comer pequi, a música sertaneja, a estátua do bandeirante). Getúlio evita tudo isso, seu cinema de ficção busca o plano, de um formalismo impressionante. O corte no tempo dentro do plano, do homem que carrega o corpo e então seu carro passa em primeiro plano, a câmera o acompanha enquanto a narração faz a elipse de um tempo ao outro. Há essa criatividade em ebulição, nos muitos cenários do filme, numa ideia de arquitetura de cena para cada um deles. A cena da garagem joga com a luz que se acende e apaga, até que o protagonista suma no escuro. No apartamento, os tiros são disparados fora do quadro, o barulho e a luz marcando expressionistas a ação. Na primeira morte, a misteriosa troca de olhares entre assassino e vítima, plano e contra-plano frontal, sem invencionices. Toda cena uma ideia, ainda que o filme não se seduza por expressar um virtuosismo técnico que traga o olhar para a câmera ou para a montagem. Chama mais a atenção o deslocamento geográfico e as muitas locações utilizadas num curta tão curto. Deu trabalho.


Os trabalhos posteriores de Getúlio seriam menos afiliados a um gênero como este é. Reverberam o aceno ao sobrenatural e a morbidez, um mundo com a morte sempre na esquina. Numa trajetória que passa por emular o cinema que gosta, trazê-lo para sua terra, e uma vez feito isso, partir para a descoberta de narrativas, modos de filmar, atmosferas que sejam genuinamente naturais, mais ligadas às tensões entre ficção e realidade do cinema contemporâneo.

Autor: Luciano Evangelista