TERRA E LUZ (2017) - Texto 2

Direção: Renné França
Descrição da imagem 1


"Terra e Luz" é uma rara e corajosa incursão do cinema de gênero brasileiro no terror, orquestrada por Renné França. O filme nos transporta para um Brasil pós-apocalíptico, onde criaturas sombrias semelhantes a vampiros, aterrorizam os poucos sobreviventes. No entanto, o verdadeiro horror aqui não está apenas nessas criaturas sinistras, mas nas dura e muito mais próxima realidade do cidadão brasileiro, que praticamente tem que “lutar” pela sua sobrevivência em um ambiente hostil.


O pano de fundo da história é a estética seca e desoladora do cerrado, com uma paleta de cores amarelada e com tons terrosos remetendo a um eterno pôr do sol, momento delicado na narrativa, já que é durante a noite que as criaturas medonhas aparecem. Há também um nível de detalhe minucioso na composição de planos (um belíssimo especialmente onde os dois protagonistas estão deitados em uma árvore). Apesar de uma execução fotográfica simples, ela é profundamente imersiva, mesmo com um orçamento baixo.


A trama segue um protagonista anônimo, interpretado por Pedro Otto, cuja jornada de sobrevivência é marcada pela constante ameaça dos ditos “vampiros”. No entanto, é o encontro com uma jovem garota, Lúcia, interpretada por Maya dos Anjos, que adiciona uma nova camada de complexidade à narrativa. A relação entre eles, embora marcada por momentos de silêncio e introspecção, destaca os dilemas morais existentes em meio a este caos. A falta de diálogos, especialmente na primeira metade do filme, reforça a sensação de isolamento e desesperança, trazendo o eco de obras marcantes como "Vidas Secas" e "Deus e o Diabo na Terra do Sol". Uma pena que quando os diálogos se fazem presentes, sente-se o enfraquecimento da narrativa, com falas empobrecidas e expositivas entre os dois protagonistas.


"Terra e Luz" talvez se enquadre naquilo que hoje se consideraria como o “horror de metáfora social”, sendo um contemplativo ensaio sobre a condição humana, refletindo sobre o que nos difere daquilo que tememos. O simbolismo dos vampiros, tradicionalmente associados no cinema a opressores que se alimentam das vidas alheias, é utilizado de maneira astuta para questionar as dinâmicas de poder e exploração que permeiam a sociedade. França, no entanto, não gasta muito tempo trabalhando neles, já que seu foco aqui, é outro.


Há claros problemas de ritmo aqui, que geram questionamentos se a ideia não teria sido mais aproveitável em um média metragem. Em alguns momentos, o filme realmente parece uma “andança sem rumo” que não leva a lugar algum. Contudo, bem nas entrelinhas,: "Terra e Luz" é uma obra que utiliza seus poucos e gastos recursos a seu favor, a fim de desafiar o espectador a confrontar suas próprias conclusões sobre o que significa ser humano em um mundo onde a sobrevivência é uma luta constante. É um filme que, ao mesmo tempo em que honra suas referências, busca apresentar algo novo.


Autor: William Almeida